O Osso Côncavo | Luís Carlos Patraquim

 Ilustração para capa de livro.

Editorial Caminho.
2004

"O OSSO CÔNCAVO

Ó ímpeto do Espírito,
radícula que o vento despenteia e o músculo imprime
travejado por dentro!

Ó longilínea dilatação do tempo,
barca oblonga onde nascem os rios, lentos,
adornando seu plasma na noite!

Da tua anca de água negra, das cavernas
soltas no dorso do abismo,
é que te escarvo, osso côncavo,
a fauce rilhando de te lancetar a carne inútil,
o gume da estraçalhada língua, o sibilante enigma,
a curva suspensa e a sombra eléctrica,
ó força, ó inominado!

E de te ver!

Nem linha elíptica, tu a combinatória do que persiste
no desvio das palavras, quando ingénuas convocam
a eternidade, e nem trave rectilínea ou frontispício,
ou ensanguentada testa de fauno,
tu que só aceitas o esterno e o ilíaco
e a lava que se derrama dos pulmões furiosos;

E concebeste o indizível! Como dizer o que há no vazio
em riste dessa curvatura, oscilante eco sem memória
de ventre onde nem a águia se atreve ao vôo
e a serpente se desenrola até à evaginação de si?

Não te nomeio. Caminho. E o plano se inclina, grave,
ondulantemente terrível. Névoa ou pele ou pano,
já às raízes se contraem e pulsam, odoríferas, húmidas,
um enlamear de deuses espargindo a poeira;

E tu, intacto, flutuante onde ninguém te disse
e a palavra se acoita, espasmódica,
fetal. Seu silêncio enformando-o, ao osso,
côncavo."