Ilustração para conto inédito de Fernando Madaíl. 2018
A bela magnólia, que crescera solitária na berma da estrada, via poucas coisas no sítio onde fora plantada. Os montes em seu redor estavam cheios de árvores, urzes e musgos. Andavam por ali a lebre e o lobo, as abelhas e as formigas. Uns pássaros que voam muito alto e outros que trinam como se fossem tenores de ópera. Mas não havia nenhuma casa a manchar a paisagem de branco e vermelho. Sabia que, depois do Sol dar a ideia de que ia dormir para o outro lado da Terra, aparecia quase sempre a Lua. E, em dias de céu claro, a Ursa Maior, a Cabeleira de Berenice, outras constelações de estrelas. E ouvia-se então o canto dos grilos e das cigarras, o coaxar dos sapos e das rãs. Às vezes, umas nuvens corriam como se fossem cavalos loucos ou cabritos endiabrados; noutras ocasiões, ficavam muitos escuras e libertavam trovoadas. Em certas alturas, caía tanta chuva que até parecia que o céu estava a chorar, assustado por alguma bruxa ou com pena de algum menino que se perdera dos pais. Mas, tanto nas manhãs cinzentas como nas tardes azuis, mantinha-se ali, mesmo à sua frente, a faixa de alcatrão por onde circulava o trânsito.
No entanto, só conseguia ver bem a cara dos motoristas dos grandes camiões, do condutor do reboque vermelho que trazia os automóveis partidos, pendurados num guindaste como se fossem de plástico, e dos velhinhos que guiavam os seus calhambeques nas tardes de domingo. O resto… Vruuum! Toda a gente acelerava. O vendedor de legumes que carregara a sua carrinha de couves e brócolos para os levar ao mercado da cidade. A motorizada do pedreiro que andava a construir uma casa na vila. O bancário do descapotável amarelo. A equipa de reportagem da televisão. A dona do salão de cabeleireiro. O mecânico que experimentava o carro que reparara na sua oficina. Até o padre quando estava atrasado para ir celebrar missa na aldeia do outro lado da serra.
A vida acabaria por ser monótona se tudo se reduzisse apenas ao que a árvore podia observar. Mas a magnólia passava o tempo a meditar como seria tudo aquilo que lhe descrevia a sua amiga especial. Ao entardecer, a borboleta das mil cores pousava numa das suas flores de tom vermelho rubi e falava-lhe do que vira...