Leituras que quis desenhar. Só por isso mesmo, porque quis desenhá-las. Ilustração não publicada. 2010
“O meu albergue fica frente a um antigo cinema transformado em livraria, o que é bom porque os albergues nunca são como nas fotografias, e este não é excepção. O quarto tem uma janela para um saguão e uma cama de espuma. Depois reparo que na parede há uma pequena Frida Khalo. Fica de amuleto. Não sei nada do México “aborita", como insuperavelmente dizem os mexicanos, mas tenho alguns amuletos. Era uma vez uma “piñata”. As crianças batiam-lhe com paus até caírem caveiras de açúcar. Foi o meu primeiro México, numa história de aventuras. Muitos anos depois vi mexicanos. Foi nos Estados Unidos. Havia o cinema, claro, sempre a caminho do Rio Bravo, e Buñuel sempre a atormentar a Europa. Houve a música de Chavela Vargas, arranca-corações. O “México Insurrecto” e o “Debaixo do Vulcão” em traduções exasperantes. A “planície em Chamas” de Juan Rulfo e “A Chama Dupla” de Octavio Paz. Os poemas índios de Herberto. Artaud entre os tarahumara. Imagens vagas de Breton, Trotski e Tina Modotti. O México de J.M.G. Le Clézio. Frida Khalo por Frida Khalo: “Enorme coluna vertebral que é base para toda a estrutura humana. Já veremos, já aprenderemos. Sempre há coisas novas. Sempre ligadas às antigas vivas.”. O Teatro é memória, e portanto matéria viva. Há anos e anos, em Lisboa, Paula Sá Nogueira foi uma estupenda Frida em “Aguantar”, encenação de Nuno Carinhas com a Cão Solteiro. Aqui estou, Frida, sentada em frente ao teu retrato. As coisas novas ligadas às antigas vivas, vamos a isso. Quem mais? Carlos de Oliveira, “ó/ alcolmalcom” [lowry], e Manuel Gusmão tam bém debaixo do vulcão (“por onde a terra firme-movediça e o fogo correm ao encontro um do outro”). José Agostinho Baptista, que nunca aqui esteve porque está sempre a escrever o seu próprio México, e uma vez me fez chegar a tradução que fizera de um poeta mexicano, Oliverio Macías Álvarez. Eu achei que Oliverio era o próprio José Agostinho disfarçado de poeta mexicano. Até que numa mesa do Bairro Alto, em Lisboa, me vi a beber com Oliverio. Ele descrevia índios, vagabundos, gente com milhares de anos. Eu ouvia como se tudo aquilo não fosse reral. A realidade à distância ainda não existe. E o meu colega mais mexicano, Pedro caldeira Rodrigues, que me falou de um lugar. Como era o nome, Pedro?”
Viva México foi lido numa edição da Tinta da China de 2010.