Leituras que quis desenhar. Só por isso mesmo, porque quis desenhá-las. Ilustração não publicada. 2012
“Há que contornar o tanque, os homens deitados a seus pés, as bancas de jornais e de livros. Vejo uma grande porta com um rapaz do lado de lá a quem digo: 'Pierre?' É uma espécie de senha. Entro. Escadas de mármore, um esplendor gasto, elevador soluçante, com vidros partidos. No 9.º andar, uma s escadas levam ao telhado. A vista é assombrosa: toda a praça, um imenso formigueiro. Mas não vejo o meu amigo, não era disto que ele estava a falar. Desço ao 9.º outra vez: será esta porta de vidro? Sim, basta empurrar. E eis Pierre ao computador, transmitindo a revolução. Pensem num escritório com armários de madeira e vidro cheios de livros encadernados, pinturas a óleo, velhas caixas de tabaco, candeeiros “art déco”. Agora pensem em tudo isto com a “patine” de um século misturada com sacos-cams, câmaras de filmar, pilhas de jornais, laranjas, biscoitos, óculos, maços de cigarros, porta-chaves, raparigas no sofá com portáteis da Apple, rapazes de caracóis teclando em iPhones. Pensem num lugar antigo onde toda a gente está ocupada a fazer o presente. A começar por Pierre, “t-shirt XXL”, corpanzil de Francis Ford Coppola. As barbas e os óculos ajudam, mas ele não concorda. 'Acho que sou mais parecido com o Orson Welles.' Pierre Sioufi, 50 anos. Profissão? 'Fiz umas pinturas, mas não sou pintor, representei uns papéis, mas não sou actor. No fim de tudo tenho de dizer que sou um “playboy”. Ainda não passaram cinco minutos e ele já é toda uma história da revolução.'Alguns jornalistas dizem que tenho uma mão nesta revolução, mas não tenho, quem dera.' Claro que tem. A mão do anfitrião.
(…)
Pierre não é um homem solene. 'Não acredito muito em revoluções, mas a revolução agora está aqui…' No fim das contas, um romântico. Aliás, teve um blogue chamado Kikhote, por causa de Dom Quixote.”
Tahrir - Os Dias da Revolução foi lido numa edição da Tinta da China de 2011.