Leituras que quis desenhar. Só por isso mesmo, porque quis desenhá-las. Ilustração não publicada. 2011
“A pouco e pouco eu elegia as minhas referências, acrescentando devotado às coisas os atributos de uma leitura minha. Uma nova geografia se inventava em cada olhar que eu desferia, exacto, para depois se consolidar as formas à custa de um moroso entendimento. Primeiro a austera face do inanimado: as pedras. Emergindo da areia, como falus, ou apontando arestas nos caminhos; redondas e adoçadas, como carne, ou lageadas, lisas, tais folhas divididas pelo vento; isoladas, cruas, sozinhas, como núcleos, ou sobrepostas, colectivas, monumental resguardo para gigantes mortos. Frequentes, também, as dilatadas taças de granito, onde a chuva acorre e se preserva para prover à sede do chacal e das milhentas vidas fugidias que o deserto guarda; a pequenina pedra ornamentando única o caminho, ou em conjunto estralejando os passos; a pedra a pique na vertente extensa que o verde afunda no profundo vale. As plantas, entretanto, do musgo insidioso ao ostensivo porte das euforbeácias, erguidas da secura para brandir, lasciva, alguma flor que acorde para a estepe o escândalo escarlate de uma chaga em cio; os desvairados talos de capim a revestir anharas, fino cabelo em manchas concentradas, ou mantas de novelos a perder de vista; o aloé valente a acrescentar-se em estratos para ofertar em glória o candelabro erguido; e a miudinha folha da espinheira, pedindo escusa de ser verde e fresca e de verter ao vento o esforçado martírio da raiz.”
Esta imagem acabou por ser publicada ligada a outro texto de Ruy Duarte de Carvalho no redeangola.info
Como se o mundo não tivesse Leste foi lido numa edição da Cotovia de 2003.