O nome é um equívoco: nunca vi Ivone Ralha colérica, pelo contrário, a doçura dela apazigua tudo ao seu redor. Olhem para as afáveis criaturas que lhe saem das mãos – um universo inesgotável de gatos gloriosos, lagartas vestidas de alegres capulanas, peixes que devoram luz. No suplemento de domingo do diário português Público, num espaço ocupado por cinco escritores lusófonos, Vozes em Português, iniciativa feliz de José Mário Costa, os desenhos de Ivone Ralha completam os textos, dão-lhes vida, sempre de forma discreta e inteligente. Mia Couto, de Moçambique; Luís Fernando Veríssimo, do Brasil; Ana Paula Tavares, de Angola; Germano Almeida, de Cabo Verde; Carlos Lopes, da Guiné-Bissau. Todos eles nomes grandes da literatura e do pensamento em português. A experiência africana de Ivone – ela fez-se moçambicana durante a juventude, nos anos oitenta, em Maputo – explicam a facilidade com que se integrou ao projecto. A artista que hoje aqui se expõe é, na verdade, um, entre tantos, frutos bons dessa vasta nação crioula em língua portuguesa, a que, à falta de melhor nome, se convencionou chamar lusofonia. O seu trabalho demonstra também que a lusofonia se constrói todos os dias, por iniciativa das pessoas, dos povos dos diferentes países que falam o nosso idioma, mesmo se os governos desses países não sabem ou não querem participar em tal movimento. Um dia, mais cedo ou mais tarde, esses governos serão forçados a dar um suporte institucional à vontade dos seus povos. Entretanto a lusofonia vai-se construindo assim – silenciosamente, amorosamente, brilhantemente.

Texto para o catálogo da exposição "Ivone Ralha. As vozes das Palavras". Bruxelas. 2002