Tudo parece muito simples, prático, funcional. A designer gráfica Ivone Ralha trabalha no jornal “Público” e traz no seu currículo uma temporada em África, Moçambique mais precisamente. Também gosta de desenho e de pintura. Fez capas para livros. É discretíssima, atenta, sensível, prestável. Esteve em África. O diário para o qual trabalha tem uma secção de crónicas de autores “lusófonos”... Os portugueses não são “lusófonos”. Não têm secção. Ocupam lugar e nome próprio. Os lusófonos escrevem ao Domingo, salteados: Angola e Ana Paula Tavares (já foram o Pepetela e o Ruy Duarte de Carvalho); Brasil e Luís Fernando Veríssimo; Cabo Verde e Germano Almeida; Guiné-Bissau e Carlos Lopes; Moçambique e Mia Couto; S. Tomé e Princípe, ausente. Convém pôr as coisas por ordem alfabética. O Agualusa, nómada, já está noutro lugar da publicação.
É claro que a iniciativa é óptima. Numa paisagem de extensíssimos recados partidários e outras variações silogísticas - afora as excepções da praxe - calha bem ainda haver gente capaz de contar estórias. Os d’África, como ainda são ingénuos, contam bués de estórias.
E a Ivone ilustra. Ainda há disso. Provavelmente porque esteve uma temporada em África, Moçambique mais precisamente. Uma respiração de cores quentes, afago de linha e sombra, uma “interpretação” imagética apondo uma poeira de ouro no núcleo mais incandescente de sentido, sentidos. Percebendo-se como transporta dentro de si o fogo perene dessa temporada. Dançando coloridamente com as palavras dos outros. Propondo-nos uma visão singular. Atenta. Sensível. Discretíssima. Um anelo de cumplicidade. O terno exercício da amizade. Todos os adjectivos são deliberados. Trazem “objectivo”.
”A letter is a joy of Earth”, afirmava a Emily. Estes desenhos também.
Texto para o catálogo da exposição "Ivone Ralha. As vozes das Palavras". Bruxelas. 2002